Maricultura catarinense é referência em gastronomia e fortalece turismo regional
Santa Catarina é referência nacional em maricultura, ou seja, o cultivo de organismos aquáticos, como peixes, moluscos e algas. De acordo com a Empresa de Pe...
Santa Catarina é referência nacional em maricultura, ou seja, o cultivo de organismos aquáticos, como peixes, moluscos e algas. De acordo com a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), o Estado responde por 98% da produção brasileira de ostras e mexilhões, com destaque para regiões como Florianópolis, Palhoça e Governador Celso Ramos. Ao todo, o estado conta com 356 maricultores ativos, responsáveis por gerar cerca de 1.500 empregos diretos, segundo o Centro de Desenvolvimento em Aquicultura e Pesca (Cedap/Epagri). Por trás desses números, está uma cadeia produtiva que aposta em ciência e inovação para transformar a produção catarinense, que alimenta restaurantes e fortalece o turismo no estado. A maricultura começou a ser estruturada em Santa Catarina no fim da década de 1980, por meio de projetos da Epagri e da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O objetivo era oferecer uma alternativa de renda sustentável para pescadores artesanais, tradicionalmente dependentes da pesca de captura. A iniciativa deu origem a um novo ciclo econômico no litoral, com impacto direto na geração de empregos e na valorização de comunidades tradicionais. Atualmente, o cultivo de moluscos está presente em 12 municípios e movimenta mais de R$ 80 milhões por ano. Na safra 2019/2020, foram comercializadas 15 mil toneladas de moluscos bivalves, segundo dados oficiais da Epagri, que representa um marco histórico para o setor. Pesquisa e sustentabilidade de ponta A estrutura da Epagri é um dos pilares do avanço da maricultura catarinense. Além de promover cursos e assistência técnica, a empresa participa da ordenação das áreas de cultivo, da legalização das fazendas marinhas e do desenvolvimento de protocolos higiênico-sanitários. Um dos projetos mais inovadores de Santa Catarina nasceu dentro da UFSC. No Laboratório de Camarões Marinhos (LCM), o engenheiro agrônomo, professor pesquisador Felipe do Nascimento Vieira lidera pesquisas que atuam com ciência e sustentabilidade. “O Laboratório de Camarões Marinhos trabalha há 40 anos com o desenvolvimento de tecnologias para a reprodução e cultivo de camarões marinhos. Buscando a sustentabilidade dos cultivos, há cerca de 20 anos, o LCM iniciou pesquisas com o cultivo de camarões em sistema de bioflocos microbianos”, explica. O sistema de bioflocos contribui para reduzir o uso de água no cultivo de camarões. Segundo o pesquisador, o sistema convencional utiliza mais de 90 mil litros para cada quilo do crustáceo, enquanto a produção com bioflocos resulta em um uso de aproximadamente 400 litros. A técnica recicla nutrientes e transforma os resíduos em fonte de alimento natural para os animais. Integração e inovação A equipe do LCM desenvolveu a chamada Aquicultura Multitrófica Integrada (AMTI), que associa o cultivo de camarões a outras espécies, como peixes, macroalgas e plantas halófitas. Entre as espécies estudadas estão a tilápia, a tainha e plantas como salicórnia, alecrim-do-mar e alface-do-mar, ingredientes que já chegam a restaurantes de alta gastronomia. “As macroalgas duplicam a biomassa toda semana quando as condições são ideais. Já as plantas halófitas, como a salicórnia, têm grande interesse pela indústria alimentícia e farmacêutica, podendo alcançar 20 euros o quilo no mercado europeu”, afirma. O sistema ainda reduz a pegada de carbono, pois as plantas fixam nutrientes e carbono em biomassa verde. Atualmente, o projeto catarinense já conta com parcerias internacionais, como a Csiro, agência nacional de pesquisa da Austrália, e a Universidade de Melbourne. Da fazenda ao prato O vínculo entre maricultura e gastronomia é um dos diferenciais do litoral catarinense. A integração de pesquisa, produção e turismo deu origem a experiências únicas, como a Rota das Ostras, no Ribeirão da Ilha, e eventos como a Festa Nacional da Ostra (Fenaoestra), em Florianópolis. Nessas iniciativas, o visitante conhece mais sobre as fazendas marinhas, aprende sobre o cultivo e saboreia pratos frescos, preparados à beira-mar. De acordo com Patrícia Mattos, gestora de Economia Azul do Sebrae/SC, o segmento fortalece o turismo de experiência e o empreendedorismo local. “Os maricultores são protagonistas na valorização da gastronomia e da cultura. A produção de ostras, mexilhões e vieiras tem impulsionado a culinária catarinense, atraindo visitantes e estimulando a economia do mar”, afirma. Ela explica que o Sebrae trabalha para fortalecer a gestão e a comercialização dos produtos. Segundo a profissional, o turismo de experiência em Santa Catarina está muito relacionado à maricultura, já que visitas às fazendas, degustações e eventos temáticos geram novas fontes de renda e fortalecem o vínculo entre o visitante e o território. Gastronomia criativa e sustentável Os ingredientes cultivados nos laboratórios e fazendas marinhas já inspiram chefs e produtores locais. A cerveja Gose Salicórnia, da cervejaria catarinense Lohn Bier, produzida com plantas cultivadas pelo laboratório da UFSC, é um exemplo. Além disso, restaurantes da Grande Florianópolis e do Sul do país também incorporam macroalgas e plantas marinhas ao cardápio. “Estes novos ingredientes têm o potencial de colocar Santa Catarina em um lugar de ainda mais destaque na culinária nacional, com inovação, criatividade e sabor”, afirma o professor Felipe.